Tema 98 IRDR: TJ/MG poderá estabelecer precedente justo nas relações bancárias

Tema 98 IRDR: TJ/MG poderá estabelecer precedente justo nas relações bancárias

Tema 98 do IRDR propõe frear danos morais automáticos em casos de crédito não devolvido, buscando equilíbrio entre proteção ao consumidor e segurança jurídica.

Há muito se denuncia a instrumentalização do instituto dos danos morais em flagrante desvirtuamento da sua natureza reparatória, não raras vezes convertido em mecanismo para obtenção de vantagem financeira com chancela judicial. Essa distorção torna-se cristalina com o evidente aumento de demandas envolvendo empréstimos consignados, especialmente aqueles supostamente não reconhecidos pelos consumidores.

No contencioso bancário, a crescente litigiosidade contra instituições financeiras tem se equiparado, em caráter cada vez mais recorrente, a um fenômeno semelhante ao de “combos” comercializados por redes de fast-food. O “hambúrguer”, por analogia, seria o pedido de declaração de nulidade da avença com a consequente devolução dos valores descontados, e o “refrigerante”, por dedução lógica, a repetição do indébito em dobro. À revelia dos parâmetros subjetivos do caso concreto, o dano moral passa a ser incluído quase que de forma obrigatória, como se fosse a “batata grande” que acompanha o pedido principal, mesmo quando não constatado nenhum abalo concreto à ordem imaterial.

Com a proliferação de demandas temerárias, o Poder Judiciário viu-se compelido a editar medidas para coibir e sancionar quem praticasse, em sentido amplo, excesso do direito de ação. A título exemplificativo e contemporâneo, tem-se a recomendação 159 do CNJ, que trata dos procedimentos “para identificação, tratamento e prevenção da litigância abusiva”.

Neste contexto, a nota técnica 01/22, corolário do estudo elaborado pelo CIJMG – Centro de Inteligência da Justiça de Minas Gerais em exame da litigância predatória, concluiu que, no ano-base 2020, os assuntos mais demandados na Justiça Estadual Comum (dados coletados pelo CNJ) foram, respectivamente, “Direito Civil – Obrigações/Espécies de Contratos”, com 2.665.873 ações propostas, e “Direito do Consumidor – Responsabilidade do Fornecedor/Indenização por Dano Moral”, com 1.655.989 iniciais distribuídas.

Diante da evolução fático-jurídica atinente à matéria, tornou-se imprescindível admitir margem de dúvida aos cenários em que se reputa consumada a circunstância balizadora da presunção do prejuízo extrapatrimonial, de modo a harmonizar a interpretação protetiva do consumidor com os princípios e garantias fundamentais asseguradas aos contendores, em especial, o da lealdade processual.

À luz desse quadro, o TJ/MG instaurou o IRDR – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 1.0000.23.207368-4/001 (paradigma do Tema 98 IRDR – TJ/MG), propondo-se a discutir e consolidar as “condições da configuração do dano moral na hipótese em que o consumidor não toma iniciativa para devolver o valor que lhe foi creditado como consequência de empréstimo consignado indevidamente”, notadamente quando a instituição financeira comprova a transferência dos valores e o consumidor, por ação ou omissão voluntária, não se propõe a restituí-lo.

Sob tais circunstâncias, revela-se desproporcional e compromete a simetria processual, com sólidos fundamentos no direito material, a imputação automática de responsabilidade civil ao agente financeiro, pois subverte os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Frise-se que não está em debate a infracionalidade dos descontos advindos de ajustes declarados nulos, tampouco a repetição do indébito nos casos de irregularidade do negócio jurídico, mas somente a projeção robotizada do ilícito na esfera moral do consumidor nas hipóteses em que, sendo este o depositário do valor, permanece inerte, sem adotar qualquer providência para reembolsar a quantia que lhe foi entregue.

Enquanto há juízos que adotam o dano in re ipsa sempre que realizados descontos em verba alimentar, há outros que acertadamente o indeferem quando, do cotejo analítico dos autos, se comprova que o mutuário fruiu quantia superior à soma dos descontos ou inexiste prova concreta da privação econômica, ofensa à honra ou à integridade psíquica do proponente.

A admissão do referido IRDR pelo TJ/MG, portanto, reflete a carência de pacificação dos entendimentos empenhados no Judiciário mineiro, com a necessária fixação de precedente uniforme com efeito vinculante.

Sob a ótica jurídica, o reconhecimento de dano moral “autoacionado”, concedido a despeito da ação voluntária e deliberada da parte em omitir o recebimento do crédito e não se propor a devolvê-lo, criará uma espécie de indenização “por ilação”, com efeito reflexivo direto no combate da litigância predatória, estimulando o ingresso de demandas oportunistas e seriadas e inviabilizando acordos pela disparidade entre o real valor controvertido e o ganho processual que eventual procedência da ação acarretará. Premiar esta conduta, ainda, colidirá frontalmente com o disposto no art. 187 do CC de 2002, que veda o exercício abusivo do direito, bem como afrontará o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, estabelecido nos arts. 876 e 884 do referido diploma legal.

Do ponto de vista econômico-sistêmico, presumir-se dano moral em massa elevará provisões contábeis das instituições financeiras, pressionará índices de Basileia e potencialmente ecoará no custo do crédito, com repercussão indireta aos contratantes adimplentes.

Não sem razão, espera-se, com o desfecho do IRDR, a restauração da proporcionalidade na aplicação da responsabilidade civil bancária e a restituição, ao dano moral, da sua função compensatória, formulando-se a tese de que não se configura prejuízo imaterial quando restar evidenciada a liberação do valor e o mutuário dele não se desincumbe voluntariamente, com a devida devolução do montante recebido.

Igualmente, não se mostra hiperbólico afirmar que o TJ/MG tem em mãos a oportunidade de fixar um precedente justo, adequado e tecnicamente consistente sobre a questão levada a julgamento, possibilitando que outros Tribunais de Justiça ajustem este entendimento às novas realidades sociojurídicas que se apresentam nos territórios sob sua jurisdição. Somente assim se assegurará, em harmonia, a tutela do consumidor e a segurança jurídica do crédito, de modo a garantir que o Judiciário seja utilizado como recurso resolutivo de conflitos com respaldo no equilíbrio e equidade das partes na relação processual, não como expediente meramente punitivo.

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